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ARBITRAGEM SOCIETÁRIA: QUAIS MATÉRIAS SÃO PASSÍVEIS DE ARBITRAGEM NO ÂMBITO SOCIETÁRIO?

Como é do conhecimento de muitos, a arbitragem é um meio privado de resolução de litígios civis, presentes ou futuros, nacionais ou internacionais, que envolvam direitos patrimoniais disponíveis, por meio de um ou mais árbitros, escolhidos pelas partes, cujas decisões produzem os mesmos efeitos jurídicos das sentenças proferidas pelos órgãos do Poder Judiciário.



Dessa maneira, a nosso ver, a arbitragem é um instituto jurídico que favorece a solução de litígios societários envolvendo, por exemplo, os acionistas e a companhia, acionistas controladores e minoritários, de uma forma célere e sigilosa para as partes envolvidas.


No entanto, ao nos depararmos com o tema, sempre surge uma questão: Quais matérias são passiveis de arbitragem no âmbito societário? Ou seja, quais são as matérias que podem ser objeto de um procedimento arbitral no âmbito societário?


No que se refere às matérias arbitráveis no âmbito societário, vale ressaltar que os litígios arbitráveis são aqueles que têm por objeto direitos de que as partes possam dispor, sujeitando-se assim à transação[1].


Nesse sentido, estabelece o artigo 1º da Lei nº. 9.307/96 ao mencionar que podem ser submetidos à resolução, por meio da arbitragem, os litígios referentes a direitos patrimoniais disponíveis. Como a legislação societária, Lei nº. 6.404/76, não estabelece expressamente os limites objetivos da arbitragem, aplica-se a regra geral estabelecida pela Lei nº. 9.307/96.


São direitos disponíveis, de acordo com a definição de Cláudio Vianna de Lima, aqueles que “incidem sobre bens que se podem livremente alienar, de que se pode apropriar sem a necessidade de autorização judicial”[2]. São aqueles direitos que são passíveis de serem cedidos, alienados, onerados, transacionados ou renunciados.


Por seu turno, os direitos patrimoniais são aqueles que possuem valor econômico, são aqueles que podem ser avaliados ou auferidos economicamente em dinheiro. Para João Roberto Parizatto, os direitos patrimoniais podem ser entendidos como aqueles


[...] que possuem por objeto um determinado bem, inerente ao patrimônio de alguém, tratando-se de bem que possa ser apropriado ou alienado. Patrimônio indica o complexo de bens materiais ou não, direitos, ações, posse e tudo o mais que pertença a uma pessoa ou empresa e seja suscetível de apreciação econômica [...] Os direitos a serem objeto de arbitragem devem ser aqueles tidos como disponíveis, ou seja, suscetíveis de livre disposição. Os direitos tidos indisponíveis, ou seja, impossíveis de serem vendidos, doados, cedidos, negociados, serão assim insuscetíveis de arbitragem.[3]

Assim sendo, Carlos Alberto Carmona estabelece que podem ser objeto de arbitragem as causas que tratem de matérias a respeito do qual o Estado não crie uma reserva específica por conta dos resguardos dos interesses fundamentais da coletividade, e desde que as partes possam livremente dispor acerca do bem sobre que controvertem.[4]


Dessa forma, no âmbito do direito societário, todos os direitos inerentes à condição de acionista são tidos como patrimoniais, uma vez que seriam passíveis de avaliação econômica, inclusive o direito de voto.


Já no que tange à disponibilidade, diferentemente do que ocorre com relação à natureza patrimonial, nem todos os direitos dos acionistas atendem ao requisito da disponibilidade. Esta deverá ser verificada em cada caso concreto a ser submetido à arbitragem.


Andrea Goes Arcebi,[5] citando José Virgílio Lopes Enei, menciona que seria inútil listar todas as espécies de conflitos societários potencialmente arbitráveis. No entanto, pela natureza contratual das sociedades anônimas, a quase totalidade dos conflitos societários seria arbitrável, citando, a título ilustrativo, aqueles conflitos relacionados com:

(a) interpretação do estatuto social ou outros documentos societários;

(b) interpretação da lei societária, exceto no que tange às matérias de ordem pública ou direito indisponível;

(c) abusos por parte dos acionistas controladores;

(d) exercício do direito de voto, direito de preferência na compra de ações, integralização de capital ou do direito de não ser diluído;

(e) distribuição de dividendos;

(f) exercício do direito de retirada, inclusive no que tange à aferição do valor econômico da sociedade;

(g) ofertas públicas; e

(h) responsabilidade dos administradores e dos acionistas controladores, dentre outras hipóteses.


Como o estabelecimento de um rol taxativo seria ineficaz, Modesto Carvalhosa e Nelson Eizirik[6] sugerem que, no campo de aplicação da cláusula compromissória estatutária, a fonte segura “[...] é o elenco de ações que estão previstas nos artigos 285 a 287 da lei societária”.


Complementando, Modesto Carvalhosa e Nelson Eizirik citam que não podem ser objeto do compromisso arbitral a discussão sobre as cláusulas organizativas da sociedade, tendo em vista que estas interessam à coletividade dos acionistas e não podem ser objeto de decisão arbitral.


Questão que consideramos como relevante é a que envolve a arbitrabilidade dos conflitos relacionados com a invalidade das deliberações da assembleia geral dos acionistas.


Para José Virgílio Lopes Enei[7], não seriam arbitráveis as questões envolvendo a nulidade das deliberações das assembleias gerais, uma vez que envolveriam direitos indisponíveis, em geral, associadas a questões de ordem pública. Por sua vez, as questões que envolvem a anulabilidade de deliberações assembleares seriam arbitráveis, haja vista que o negócio jurídico anulável pode convalescer-se em duas situações: pelo decurso do tempo ou pela ratificação, de forma expressa ou tácita.


Alguns autores, entre eles Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França[8], entendem que a teoria geral das nulidades do direito civil não pode ser aplicada na sua totalidade ao direito societário, pois, no campo do direito societário, até mesmo a nulidade é passível de convalidação, podendo, por via de consequência, os conflitos que envolverem a nulidade de deliberações assembleares ser levados à arbitragem.


Vejamos acórdão do STJ[9], neste sentido:


DIREITO COMERCIAL. SOCIEDADE ANÔNIMA. EMPRESA DE RADIODIFUSÃO E TELECOMUNICAÇÃO. EXIGÊNCIA DO ÓRGÃO PÚBLICO FISCALIZADOR. COMPROVAÇÃO DA NACIONALIDADE BRASILEIRA DOS ACIONISTAS. CONVOCAÇÃO EDITALÍCIA DOS SÓCIOS, MARCANDO PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DE CERTIDÃO DE NASCIMENTO OU CASAMENTO. DELIBERAÇÃO ASSEMBLEAR DE VENDA DAS AÇÕES DOS QUE NÃO ATENDERAM À CONVOCAÇÃO. ILEGALIDADE. LAPSO PRESCRICIONAL ESPECÍFICO (ARTS. 156 DO DL 2627/40 E 286 DA LEI 6404/76). AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO TEMPESTIVA. CONVALIDAÇÃO. PRESCRIÇÃO TAMBÉM DO DIREITO DE HAVER DIVIDENDOS DISTRIBUÍDOS SOB A FORMA DE BONIFICAÇÃO (ART. 287, II, A, DA LEI 6.404/76). INAPLICABILIDADE DA TEORIA GERAL DAS NULIDADES. RECURSO PROVIDO.
I – Em face das peculiaridades de que se reveste a relação acionista versus sociedade anônima, não há que se cogitar da aplicação, em toda a sua extensão, no âmbito do direito societário, da teoria geral das nulidades, tal como concebida pelas doutrina e dogmática civilistas.
II – Em face disso, o direito de impugnar as deliberações tomadas em assembleia, mesmo aquelas contrárias à ordem legal ou estatutária, sujeita-se à prescrição, somente podendo ser exercido no exíguo prazo previsto na Lei das Sociedades por Ações (art. 156 do DL 2627/40/art. 286 da Lei 6.404/76).

Assim sendo, para concluir, concordamos com o entendimento de Modesto Carvalhosa e Nelson Eizirik, que pregam que todas as questões surgidas entre os acionistas e a companhia, independentemente da colocação apriorística acerca dos efeitos da nulidade ou anulabilidade da deliberação assemblear ou do negócio jurídico entre os acionistas, podem ser submetidas à arbitragem, sendo que as questões trazidas pelos artigos 285 a 287 da Lei nº. 6.404/76 podem servir como um guia para a aplicação da cláusula compromissória no dia-a-dia dos conflitos societários.


Referências bibliográficas


ACERBI, Andrea Goes. A extensão dos efeitos da cláusula compromissória nos estatutos sociais das sociedades anônimas. In: VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc (Org.). Aspectos da arbitragem institucional – 12 anos da Lei 9.307/1996. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.


CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei nº. 9.307/96. São Paulo: Malheiros, 1998.


CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei nº. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, 2º volume, artigos 75 a 137. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003.


___________, EIZIRIK, Nelson. Cláusula compromissória estatutária e juízo arbitral (§ 3º do art. 109). In: LOBO, Jorge (Coord.). Reforma da lei das sociedades anônimas: inovações e questões controvertidas da Lei nº 10.303, de 31.10.2001. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 339.


FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. Invalidade das Deliberações de Assembléias das S/A. São Paulo: Malheiros, 1999.


LIMA, Cláudio Vianna de. Curso de Introdução à Arbitragem. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999.


PARIZATTO, João Roberto. Arbitragem: comentários à Lei 9.307, de 23.09.1996 (doutrina e prática forense). São Paulo: LED, 1997. p. 16.

[1] CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei nº. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, 2º volume, artigos 75 a 137. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003. [2] LIMA, Cláudio Vianna de. Curso de Introdução à Arbitragem. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999. p. 14. [3] PARIZATTO, João Roberto. Arbitragem: comentários à Lei 9.307, de 23.09.1996 (doutrina e prática forense). São Paulo: LED, 1997. p. 16. [4] CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei nº. 9.307/96. São Paulo: Malheiros, 1998. [5] ACERBI, Andrea Goes. A extensão dos efeitos da cláusula compromissória nos estatutos sociais das sociedades anônimas. In: VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc (Org.). Aspectos da arbitragem institucional – 12 anos da Lei 9.307/1996. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 190-191. [6] Cláusula compromissória estatutária e juízo arbitral (§ 3º do art. 109). In: LOBO, Jorge (Coord.). Reforma da lei das sociedades anônimas: inovações e questões controvertidas da Lei nº 10.303, de 31.10.2001. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 339. [7] ENEI, op. cit., p. 129-168. [8] FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. Invalidade das Deliberações de Assembléias das S/A. São Paulo: Malheiros, 1999. [9] REsp 35.230-0 (93/0013955-0) – SP. Relator: Ministro Sálvio de Figueiredo.


 

Felipe de Almeida Mello é advogado e sócio de BBM Advogados. Consultor jurídico da TheStartupToolbox. Mestre em Direito e especialista em Direito Empresarial. Professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), da Escola Superior da Advocacia (ESA/OAB), da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) e da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.


Este conteúdo tem caráter informativo, em caso de questionamento jurídico, entre em contato conosco.

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