As sociedades em conta de participação, mais conhecidas no dia-a-dia do mundo empresarial por “SCP”, já há muito existente em nosso ordenamento jurídico, vêm ganhando, em virtude de suas características intrínsecas e de sua maleabilidade, uma maior importância no mundo dos negócios, em especial, nos negócios imobiliários.
As sociedades em conta de participação constituem “(...) moderno instrumento de captação de recursos financeiros para o desenvolvimento econômico, tendo, além disso, amplas e úteis aplicações, dentro do moderno campo do direito comercial”.[1]
Encontram-se atualmente disciplinadas pelos artigos 991 a 996 do Código Civil e possuem características próprias tanto pelo seu caráter de sociedade secreta quanto por sua ausência de personalidade jurídica.
A despeito do termo “sociedade” em sua denominação, o seu contato e vínculo com o mundo exterior se dão apenas por intermédio da figura do sócio ostensivo, permanecendo os demais integrantes, denominados como sócios participantes, ocultos para o público em geral. Assim sendo, uma das suas características essenciais não é o fato de poderem ser secretas, mas sim de que apenas o sócio ostensivo obriga-se, de forma única e exclusiva, perante terceiros.
Apesar de existirem no ordenamento jurídico brasileiro há mais de 150 anos e de contarem com uma crescente utilização no dia-a-dia empresarial, o tema relacionado à natureza jurídica das sociedades em conta de participação, societária ou contratual, sempre suscita importantes debates no mundo acadêmico.
Para Gustavo Oliva Galizzi[2] não há qualquer dúvida quanto à natureza jurídica do ato constitutivo da sociedade em conta de participação, que tem natureza contratual. Para esse autor o que se debate é “(...) a essência legal da organização empresarial em si, fruto do acordo de vontades dos sócios fundadores”.
À sociedade em conta de participação falta-lhe patrimônio próprio e a personalização, características essas essenciais de toda sociedade personificada. Apenas o sócio ostensivo aparece perante terceiros, sendo que os denominados sócios participantes fornecem os recursos, dinheiro ou bens, com o intuito de que estes sejam aplicados em uma determinada operação de interesse de todos os participantes.
A nosso ver, entendemos que as sociedades em conta de participação possuem natureza contratual, por faltar-lhes os requisitos básicos necessários a que sejam consideradas sociedades empresárias típicas. A conta de participação não reúne os pressupostos necessários à sua classificação como sociedade, tratando-se de um mero contrato de participação ou de investimento.
A finalidade da sociedade em conta de participação nos negócios imobiliários é a de unir o sócio ostensivo, geralmente responsável pela administração da sociedade e pelo desenvolvimento do empreendimento em si, e o sócio participante, responsável por aportar o capital necessário para o desenvolvimento do empreendimento, que não tem poder para administrar a sociedade nem tampouco responde perante terceiros, sendo que suas obrigações e direitos encontram-se estabelecidos no contrato de constituição da sociedade celebrado entre as partes.
Para fins ilustrativo, em uma incorporação imobiliária, por exemplo, o sócio ostensivo costuma ser a construtora ou a incorporadora, responsável pelo gerenciamento das obras civis, e o sócio participante, o proprietário do imóvel utilizado para a construção do empreendimento ou o responsável por aportar recursos para viabilizá-lo sob o ponto de vista econômico-financeiro.
A sociedade em conta de participação tem sido utilizada também com bastante frequência em negócios relacionados ao setor hoteleiro. Nesses casos, o sócio participante (ou investidor) passa a fazer parte de uma sociedade em conta de participação na qual a incorporadora ou construtora figurará como sócia ostensiva, os sócios participantes serão os adquirentes das unidades autônomas que comporão o empreendimento hoteleiro, sendo que, em muitos casos, a sociedade proprietária da marca da bandeira hoteleira, na qualidade de administradora do hotel a ser erigido no imóvel, passa a fazer parte também da sociedade como sócia participante.
Em tais negócios deverá constar do documento constitutivo da sociedade em conta de participação previsão quanto:
(i) à administração do futuro empreendimento hoteleiro;
(ii) à destinação e repartição das eventuais receitas oriundas da exploração do futuro empreendimento hoteleiro;
(iii) à forma e periodicidade de utilização da unidade imobiliária hoteleira pelo adquirente (sócio participante); entre outras disposições.
Dessa maneira, a sociedade em conta de participação terá como finalidade congregar os investidores, nessa hipótese adquirentes de unidades autônomas, a fim de que o empreendimento seja erigido e as futuras unidades autônomas sejam objeto de locação conjunta (“pool”) com o intuito primordial de se obter lucro.
Referências Bibliográficas
BARBARESCO, Marcelo. Compropriedade e sociedade: estrutura, segurança e limites da autonomia privada. São Paulo: Almedina Brasil, 2017.
GALIZZI, Gustavo Oliva. Sociedade em conta de participação. Belo Horizonte: Mandamentos, 2008.
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. Vol.1. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 1989. [1] REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. Vol. 1. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 306. [2] GALIZZI, Gustavo Oliva. Sociedade em conta de participação. Belo Horizonte: Mandamentos, 2008 p. 27.
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Felipe de Almeida Mello é advogado e sócio de BBM Advogados. Consultor jurídico da TheStartupToolbox. Mestre em Direito e especialista em Direito Empresarial. Professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), da Escola Superior da Advocacia (ESA/OAB), da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) e da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
Este conteúdo tem caráter informativo, em caso de questionamento jurídico, entre em contato conosco.
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